sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Redenção


Aqui, neste exato lugar, sente-se em casa. A mudança vai além da geografia. Deixou todas as máscaras em cima da cama junto com as roupas que não quis levar. O cheiro característico do mato, do sagrado mato, transporta sua alma, o espírito e a matéria por completo. Arrebatada está. No batente de tijolo mal feito, senta-se, percebe e ouve os sons antes não audíveis abafados pelo barulho da rotina da cidade. Despede seus monstros com um aceno de até logo, sim, é sabido que eles voltam, sempre voltam. Dá férias de si mesmo por um curto lapso de tempo, dentro da tarde eterna do menor mês do ano. Está seca, com fome, absorta... Em meio ao sossego puro, genuíno, ela, só ela compreende a transformação interior no encontro perpétuo com a terra, liga-se novamente como se nunca houvesse saído de lá, toma a forma de cinza e pó. É isso que todo o ser é. Imersa na água gelada mistura-se, dissolve-se, forma líquida de ser. O fôlego forte, acalma-se. Carrega o alívio dos que não se oprimem com as exigências da sociedade. Plena, pura, única. Não é filha, não é mãe, não é irmã, não é gente, não é namorada, não é amante. É um ser desprendida de rótulos, costumes, conceitos, nomes e das cruéis imposições. Atrás dos óculos escuros não esconde mais os olhos úmidos e cansados de tantas noites mal dormidas e chorosas, disfarçava o olhar escondido, era um olhar perguntante, questionador. Desafiava a sua própria existência, os seus pudores, suas ilusões. Testava seus limites, sua condição, seus princípios. Nada disso importa agora. Os óculos escuros só a protegem do sol. Apenas do sol. Calçou-se com botas da liberdade, vestiu-se de nudez, usou a água como maquiagem, só lavou o rosto e andou pelas vielas, andou de dia, a tarde dormiu, a noite andou, pela madrugada viu estrelas, muitas delas, surpreendeu-se como as tinha esquecido, lá não há luz suficiente pra apagar o brilho das estrelas, entorpeceu-se. Egoísta, quis guardá-las só pra si. Pensou: "Será que as pessoas têm olhado pras estrelas? Contado algumas?" Aquelas já mortas, mas que ainda, ainda, brilham. "Será que estou morta, e, ainda brilho?". Assim como as estrelas, ela se sentiu uma. Brilhosa, irmã de muitas, fã do sol,  esquecida por vezes pelas pessoas, idolatrada pelos místicos e astrônomos pelos séculos e séculos. Imortal. Dormiu com todas as incertezas de sempre, elas eram companheiras antigas. Acreditava que as incertezas proporcionavam os questionamentos, gerando dúvida e uma infinita busca. E isso propulsiona a vida, calibra os pneus do ir e do porvir, lubrificam as emoções. Gera-se vida. E era o que ela sentia. Vida dentro de si. Vida pra fora de si. Vida entrando em si. Vida afora, vida comprada, vida vendida, vida trocada, vida trapaceada, vida tapeada, vida insossa, vida alucinada, vida falsa, vida besta, vida vã, vida passageira, vida lúcida, vida bêbada, vida duvidosa, vida alucinógena, vida efêmera, vida sadia, vida sábia (?), vida, vidas. Da paz que a vida não trazia, não demonstrava. A vida fingia pra ela uma paz divergente, contraditória, até insalubre. Lá tinha paz. Os desassossegos também descansaram de atormentá-la. Ouvia vozes humanas que falavam muito, não diziam e nem se faziam entender nada.
Acordou com uma voz familiar. - Acorda querida, há muito o que fazer, o dia faz sol, talvez não chova hoje. Levantou-se, o "muito o que fazer" era inquestionavelmente desejado. Muito a fazer de nada. Só viver.


2 comentários:

  1. "Muito a fazer de nada. Só viver." Fazer nada é tudo o que precisamos as vezes. Viver sem se preocupar com nada é sublime. Se questionar sobre os universo que existe dentro de nós mesmos é renovador. Ficar só com o mundo. Ficar só com o mundo de dentro. Mergulhar em si mesmo é renovador.
    É preciso se renovar. É necessário descansar. A alma precisa se equilibrar no silêncio que ecoa dentro de nós.

    Texto lindo Lu.

    Beijos minha lindona ;*

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  2. Sua astuta interpretação dos meus textos é encantadoramente inominável.
    É necessário viver o princípio, buscar o descanso.

    Obrigada pela linda visita de sempre, amo-te. Beijos minha pequena.

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